A carcinicultura em Aracati

A carcinicultura em Aracati

Considerados como porções do espaço em transformação através das relações estabelecidas entre o homem e a natureza, e sendo a carcinicultura um exemplo concreto, observa-se assim, que os estuários cearenses inserem-se no âmbito do estudo da paisagem.

Como recurso natural presente nas planícies flúvio-marinhas, o ambiente estuarino cearense passou a ser explorado economicamente por carcinicultores que, a partir da inserção de capital e tecnologias, foram capazes de tornar viável a utilização plena de suas potencialidades.

Sendo o estuário a área mais propícia para a efetivação da carcinicultura, nele são fixados os equipamentos necessários à implantação da atividade que provocam modificações na paisagem local. Tratando-se da carcinicultura marinha em Aracati são perceptíveis significativas modificações nas paisagens locais, principalmente nas áreas relativas a manguezais, apicuns, salgados, e carnaubais, pois estes, em vários trechos, cederam espaço para a carcinicultura em momentos diversos quando da implantação da
atividade.

Estas modificações podem ser distribuídas em cinco momentos que são apresentados a seguir.

Em um primeiro momento, no período de implantação da carcinicultura, os primeiros viveiros de engorda, ao serem construídos em Aracati, foram fixados nas áreas de ocorrência dos bosques de manguezais, fato que promoveu a retirada de parcela da vegetação de mangue, um exemplo é a localidade do Cumbe.

Em um segundo momento, viveiros foram construídos nas áreas de salgado e apicuns que participam da dinâmica ambiental da paisagem estuarina em determinados períodos do ano, como na área localizada nas proximidades da sede do município.

Em um período mais recente, correspondente ao que seria o terceiro momento, com a maior visibilidade que a carcinicultura adquiriu nos meios de comunicação, com a pressão exercida por organizações não governamentais e órgãos ambientais, e principalmente, a partir da percepção de uma melhor aclimatação do camarão em decorrência a baixa variação de salinidade, situação inversa às áreas de manguezais, novas fazendas foram instaladas na planície de inundação do Rio Jaguaribe em Aracati, nas localidades de Boca do Forno e Cabreiro, sendo verificada a retirada da carnaúba, principal representante da mata ciliar na área em questão.

Em um quarto momento, mais precisamente a partir de 2005, em decorrência de alguns fatores como a desvalorização cambial do dólar frente ao real, o processo anti-dumping aplicado pelos Estados Unidos aos países produtores e a mortandade de camarões causada pela Mionecrose Infecciosa, ocasionaram redução na produção de camarões em Aracati, inclusive com o abandono de viveiros por parte dos carcinicultores. O abandono de alguns viveiros com as comportas de entrada de água abertas permitiu que ocorresse um tímido restabelecimento da vegetação de mangue através de propágulos que se fixaram neles ao serem depositados pelas marés.

O quinto momento seria o atual, no qual, os carcinicultores, dependentes do apoio dos governos federal e estadual, pretendem retomar a atividade a voltar a competir no mercado externo. Para tanto reivindicam a liberação do licenciamento para as fazendas que estão irregulares, linhas de financiamento e decisão quanto à gestão local das águas a serem utilizadas pela atividade, novos fatos que, com certeza, podem inserir novas modificações na paisagem.

Assim como a vegetação nativa presente nas áreas ocupadas pela carcinicultura em Aracati passou e ainda passa por transformações sensíveis na sua estrutura local, a disposição das águas do estuário também foi, por vezes, modificada. A construção dos viveiros com seus diques, bem como, de canais de captação e descarga de efluentes ocasionou, em algumas áreas, o redirecionamento artificial do curso das águas antes realizado naturalmente pelas gamboas.

Estas modificações são visíveis não apenas no meio natural, mas são perceptíveis também nos grupos sociais locais que se relacionam diretamente com ele.

Bolós (1992) ao delimitar o tempo como referência participante da definição de uma paisagem, atenta para o fato de que ele possui um interesse múltiplo indicando o tempo presente, o tempo da constituição de uma paisagem e o tempo referido a dinâmica de uma paisagem. No caso da planície fluvial e da planície fluviomarinha do Rio Jaguaribe a situação se apresentaria da seguinte forma:

  • tempo presente, seria o tempo referido à paisagem somada ao espaço, delimitado em função de um recorte para a análise;
  • tempo de constituição, seria o tempo necessário para a formação das planícies fluvial e fluviomarinha;
  • tempo referido à dinâmica da paisagem, estaria ligado ao primeiro momento em que a atividade se instalou na região e inseriu modificações;

Logo o tempo torna-se um elemento interessante no estudo de uma paisagem como é o caso da área já especificada. Ao longo do tempo a natureza e o homem deixam impressas suas marcas evolutivas que, indispensavelmente, se fazem presentes na
constituição das paisagens. Os resultados são observáveis e já podem ser identificados como elementos que se estabelecem através de interações com outros mais recentes, se não atuais, caracterizando os processos evolutivos da paisagem.

Neste sentido, relativamente à carcinicultura no Município de Aracati, algumas considerações são pertinentes.

  • Quando foi iniciada a implantação da atividade, produtores construíram fazendas em áreas de manguezal;
  • a construção de tanques nos manguezais ocorreu principalmente por desconhecimento dos problemas causados pelas variações bruscas de salinidade na água;
  • as novas áreas de expansão da atividade localizam-se na planície de inundação fluvial em áreas de carnaubais;
  • os efluentes são direcionados ao rio, pois não existem estações coletoras para o tratamento;
  • apenas um número reduzido de fazendas possuem lagoas de decantação;
  • a atividade promoveu a abertura de postos de trabalho formais na sede e nas localidades mais afastadas, modificando sensivelmente a vida dos habitantes que dependiam de atividades sazonais;
  • a carcinicultura mantém relação de conflito com o turismo, considerando que, a primeira necessita modificar a paisagem para se alocar, e a segunda, tratando-se do turismo ecológico, necessita da paisagem natural para se realizar;
  • a carcinicultura mantém relação de conflito com o artesanato da palha da carnaúba, tendo em vista que as áreas mais recentes de expansão da atividade localizam-se nos carnaubais.

Fonte: https://periodicos.ufs.br/geonordeste/article/view/2447/2129

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