Jacques Klein, o pianista do som dourado
Considerado um dos dez maiores pianistas eruditos do Brasil em todos os tempos, Jacques Klein por pouco não abandonou a música de concerto definitivamente para dedicar-se ao jazz. Mas, reverenciado como um dos maiores de seu tempo, fosse em recitais solo ou acompanhado, seu perfeccionismo técnico, aliado à grande sensibilidade, conquistou plateias no mundo todo e um lugar no panteão dos grandes músicos do Brasil.
Continue a leitura e conheça a história desse pianista do som dourado!
Quem foi Jacques Klein
Jacques Klein nasceu em Aracati, no Estado do Ceará, em 10 de julho de 1930 em família de judeus. O avô, de quem herdou o nome, estabeleceu-se ali por volta de 1870, atuando no comércio de algodão. Por estímulo de seu pai – Alberto Klein, pianista amador -, iniciou seus estudos ainda criança depois que foi flagrado aos 5 anos tocando, de ouvido, uma marchinha de Lamartine Babo que a irmã mais velha, Jacqueline, havia acabado de tocar.
Relação do piano com sua infância
Em 1936, a família se mudou para Fortaleza, onde Jacques foi matriculado no curso de piano no Conservatório Alberto Nepomuceno – do qual Alberto Klein foi um dos fundadores – tendo aulas com a professora Julieta Araripe. Aos seis anos, já tinha em seu repertório obras de diversos compositores e o apresentava para importantes pianistas em passagem pela cidade, como Guiomar Novaes, Nikolai Orloff e Ignaz Friedman.
Três anos depois, em 1940, a família foi para o Rio de Janeiro e, com apenas nove anos, Jacques ficou em primeiro lugar em concurso no Conservatório Brasileiro de Música, vindo a estudar com Liddy Chiaffarelli Mignone de 1940 a 1943.
Afastando-se temporariamente dos estudos eruditos, aos 13 anos de idade, passou a se dedicar exclusivamente à música popular, organizando, em 1946, um trio de jazz juntamente com Dinarte Rodrigues (guitarra) e Breno Porto (bateria), que se apresentava semanalmente na Rádio Jornal do Brasil.
Começo de carreira
Chegou a cogitar a carreira de diplomata e, aos 18 anos, passou no vestibular de Direito da PUC do Rio de Janeiro. O retorno ao piano erudito ocorreu depois de Jacques ouvir o “2º Concerto para Piano e Orquestra” de Rachmaninoff em um filme – provavelmente “Brief Encounter” (Desencanto), de 1945, ou “I’ve Always Loved You” (Sempre te amei), de 1946, com dublagem musical de Arthur Rubinstein.
Resolveu tocar a música, que não lhe saía da cabeça, e a aprendeu de ouvido, pois não tinha mais prática de ler partituras. Retomou os estudos de piano erudito, passando a ter aulas particulares com Aloysio de Alencar Pinto, Ophelia do Nascimento, Oscar Adler e Lúcia Branco.
Mudou-se para Nova York, por sugestão de Guiomar Novaes, para ter aulas com Isidor Philipp, mas não se identificou com o professor e voltou ao Brasil para se dedicar à carreira diplomática. Seis meses depois, em um acesso de fúria, jogou fora toda a papelada do concurso, dizendo para a mãe: “Quero ser pianista!”. Retornou à Nova York para estudar com o pianista americano William Kapell, por indicação de Aloysio de Alencar Pinto.
Consta que, na época, durante uma jam session no clube Cafe Society, tocou para o lendário jazzista Art Tatum, quando o pianista Billy Taylor convidou Jacques para subir ao palco. Klein interpretou o choro “Tico-Tico no Fubá”, de Zequinha de Abreu, e o standard de jazz “How High The Moon”, causando grande impressão, que chegou a ser registrada na imprensa local. Conta a lenda que Tatum o convidou para fazer parte de seu grupo.
Carreira internacional
Em 1952, por influência de Friedrich Gulda, com quem manteve um duo, Klein foi para Viena, na Áustria, para se aperfeiçoar com Bruno Seidlhofer na Academia de Música de Viena. Após oito meses de estudo, classificou-se em segundo lugar no Concurso Internacional de Piano, em Munique, na Alemanha, e, em setembro de 1953, venceu por unanimidade o Concurso Internacional de Música de Genebra, na Suíça, competindo com 114 concorrentes de 33 países.
Considerado o mais importante e disputado da época, o certame não concedia o primeiro lugar a ninguém desde 1949 (de 1946 a 1953, o concurso anual conferiu o primeiro prêmio a apenas três músicos), catapultando o cearense à nata de estrelas da música mundial.
Até então, Jacques jamais havia tocado um concerto em público, e, a partir daquele momento, passou a desenvolver uma expressiva carreira internacional. Estreou em 1954 com a Filarmônica de Londres e recebeu inúmeros prêmios e medalhas. No mesmo ano, gravou ao piano, o samba “Dora”, de Dorival Caymmi e o samba canção “Nesta rua tão deserta”, de sua parceria com Dorival Caymmi, Carlos Guinle e Hugo Lima, revisitando sua veia popular, algo que fazia frequentemente.
Apesar do pouco tempo em que viveu em sua cidade natal, nas entrevistas sempre se apresentava como “Jacques Klein, from Aracati (de Aracati)”. No ano seguinte, 1955, foi eleito o melhor pianista do ano, em Londres, recebendo a Medalha Harriet Cohen.
Passou a se apresentar com inúmeras importantes orquestras, como as Filarmônicas de Berlim e de Londres, a Nacional de Paris, a Santa Cecília de Roma, Nova York, as Sinfônicas de Viena, Hannover e Chicago, e a Orquestra Sinfônica Brasileira, entre outras. Em 1956, apresentou-se a dois pianos com Friedrich Gulda no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, interpretando obras de Mozart, Schubert, Camargo Guarnieri, Ravel e Brahms.
Sua estreia nos Estados Unidos foi em 1959 no Carnegie Hall, interpretando o “3º Concerto para Piano e Orquestra” de Rachmaninoff, sob regência de Eleazar de Carvalho, sendo aclamado pela crítica, que por vezes chegou a compará-lo a Vladimir Horowitz e a Arthur Rubinstein.
Em 1970, por ocasião das comemorações do bicentenário de Beethoven, executou o ciclo completo das 32 sonatas em Londres, Amsterdã, Frankfurt e Rio de Janeiro (Sala Cecília Meireles). Também possuía grande afinidade com as obras de Mozart, cujas sonatas e concertos para piano interpretava com frequência.
A partir da década de 1970, foi duas vezes diretor da Sala Cecília Meireles e um dos diretores da Orquestra Sinfônica Brasileira. Como camerista, integrou o Trio Continental juntamente com Cussy de Almeida (violino) e Peter Dauelsberg (violoncelo), além de se apresentar em diversos países com o violinista italiano Salvatore Accardo.
Lecionou na Escola de Música da UFRJ (no programa de mestrado), no Conservatório Brasileiro de Música, e na Universidade de Miami (EUA). Entre seus diversos alunos, destacam-se Arnaldo Cohen, Edson Elias, Egberto Gismonti, Luiz Eça, João Carlos Martins e João Carlos Assis Brasil, entre muitos outros.
Apesar da carreira na música erudita, nunca deixou a música popular, gravando ao piano composições de nomes como os brasileiros Ary Barroso, Dorival Caymmi e Zequinha de Abreu, além de standards de jazz e obras de George Gershwin.
Sua morte
Jacques Klein morreu prematuramente, aos 52 anos, em 24 de outubro de 1982, no Rio de Janeiro, vitimado pelo câncer. Seu último concerto ocorreu no dia 27 de setembro do mesmo ano, interpretando o “Concerto para Piano e Orquestra em Ré Maior” de Haydn, com a Orquestra de Câmara de Moscou, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Klein era um pianista extremamente admirado por conta de sua sonoridade por vezes definida como “dourada”. Músico erudito e de jazz, teve carreira docente respeitada e gravou inúmeras obras de música popular, incluindo sambas, provando que a distinção entre os gêneros é mera formalidade. A dualidade entre seu temperamento expansivo e bem-humorado e sua disciplina e dedicação lhe imprimiam uma personalidade extremamente rica, assim como sua música.
Fonte: https://blog.fritzdobbert.com.br/pianistas/jacques-klein/#
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