João Facundo de Castro Menezes
João Facundo de Castro Menezes — Foi a influência política mais legítima e real, que teve a Província do Ceará.
Nasceu em Aracati a 12 de Julho de 1787, sendo seus pais o Capitão-mor José de Castro Silva 2º, nascido em Aracati a 22 de junho de 1749 e falecido a 27 de janeiro de 1807, e Dª Joana Maria Bezerra, filha do Pernambucano Coronel Francisco Barbosa Bezerra de Menezes, nascida a 29 de maio de 1751 e falecida a 30 de maio de 1818.
Neto pelo lado paterno de José de Castro Silva 1º, nascido a 20 de setembro de 1709, natural da ilha de S. Miguel, e de Dª Ana Clara da Silva, natural de Itamaracá, (casados a 27 de maio de 1748 na fazenda do Araré, Passagem de Pedras, pelo Pe. Gonçalo Ferreira de Mello, sendo uma das testemunhas o Capitão-mor José Pimenta de Aguiar), e pelo materno do Coronel Francisco Barbosa Bezerra de Menezes e Dª Helena Nunes Barbosa, natural de S. Bernardo das Russas; bisneto pelo lado paterno de Manoel Dias da Ponte, nascido a 10 de agosto de 1679 e casado a 22 de abril de 1722 com Dª Maria Lopes, naturais um e outro da ilha de S. Miguel, freguesia do Apóstolo S. Pedro da Ribeira Seca, e de Antônio da Cruz Silva, natural da freguesia do Espírito Santo em Lisboa e de Dª Tereza Maria José, natural de Itamaracá (o assentamento do casamento diz de Russas); e bisneto pelo lado materno do Sargento-mor João de Souza Pereira, nascido a 14 de Outubro de 1714 e de sua mulher Dª Joanna Bezerra de Menezes e do Coronel Antônio Nunes Ferreira e Dª Catarina Barbosa; terceiro neto de Manoel Dias da Ponte e de sua mulher Dª Vitória da Ponte, nascida a 26 de novembro de 1651 e de Antônio Lopes e de sua mulher Dª Maria Dias; quarto neto de Francisco Dias da Ponte e de sua mulher Dª Ana Fernandes, naturais um e outro da freguesia do Senhor Bom Jesus, do Rabo do Peixe, e de Miguel da Rocha, nascido a 10 de outubro de 1618 e casado a 29 de janeiro de 1640 com Dª Bárbara Rodrigues, nascida a 12 de julho de 1609, naturais um e outro da freguesia do Apóstolo S. Pedro da Vila de Ribeira Grande; quinto neto de Manoel da Rocha, casado a 3 de dezembro de 1613 com Dª Ana da Ponte e de Manoel de Farias e Dª Maria Luiza Farias; sexto neto de Domingos da Rocha e de sua mulher Dª Maria Jacome, naturais da Vila Franca do Campo, e de Pedro Reis da Ponte e de sua mulher Dª Ana Gonçalves da Ponte.
Esses apontamentos me foram fornecidos em janeiro de 1884 pelo Revmo. Jacinto Pereira de Medeiros, dígno Vigário da freguesia da Ribeira Seca, Vila da Ribeira Grande.
O Capitão-mor José de Castro Silva 2º teve do seu casamento, celebrado a 22 de agosto de 1768 com Dª Joana Maria Bezerra, além de João Facundo dez filhos, sendo cinco homens e cinco mulheres.
Os primeiros anos de João Facundo, ocupados na vida do comércio em Aracati e depois em Fortaleza, para onde mudou-se em 1818, nada oferecem de notável, mas acontecendo envolver-se por muitos lustros nas lutas travadas na província por motivo de partido e de nacionalidade, sua passagem por elas deixou vestígios inapagaveis.
Quando de Pernambuco se estenderam ao Ceará as ideias da Confederação do Equador e a nova comarca do Crato hasteou em outubro de 1822 o estandarte da revolta, foi Facundo metido em arbitrária e despótica prisão e deportado para uma fortaleza no Rio donde o fez sair um honroso mandado Imperial.
Esses vexames, de que também partilhou seu primo e conterrâneo Capitão-mor Barbosa, eram consequência lógica das ideias que comungavam em matéria de política, a família Castro opondo-se ao reconhecimento do governo de que se constituíram chefes Tristão Gonçalves d’Alencar Araripe, José Pereira Filgueiras e Pe. Gonçalo Ignacio d’Albuquerque Mororó.
Em data de 14 de abril de 1824, Barbosa assinou com seus companheiros do Senado da câmara, Marcelino de Brito, Manoel José Martins Ribeiro Júnior, Inácio Ferreira Gomes e José Antônio Machado um protesto contra os manejos de Tristão e conjurou-o a que se demitisse do posto, que ilegitimamente assumira e concluiu lançando-lhe sobre os ombros a responsabilidade de toda e qualquer desgraça, que em Fortaleza acontecesse por motivo de não aquiescência ao convite do Senado.
Em resposta a esse ofício, a Municipalidade recebeu obstinada e formal recusa assinada por Francisco Pinheiro Landim, José Pereira Filgueiras, Tristão Gonçalves d’Alencar Araripe e Miguel Antônio da Rocha Lima (secretário), recusa cuja minuta fora feita pelo Pe. Mororó.
Convencidos os Castros e seus amigos que os revoltosos não cederiam de seu propósito, nem reconheceriam o Tenente-coronel Pedro José da Costa Barros, presidente nomeado pelo Governo Central desde 25 de novembro de 1823, e que então já estava no porto promto a desembarcar da corveta “Gentil Americana”, reuniu-se de novo o Senado da Câmara a cuja sessão compareceu o comandante do batalhão de 1ª linha Sargento-mor José Narciso Xavier Torres e passou a instituir um governo provisório, cuja Presidência foi assumida pelo 2º vereador, pois o 1º, Joaquim Antunes de Oliveira, temendo comprometer-se, dera parte de doente.
Estando as coisas assim, Tristão, Landim e seus amigos retiraram-se apressadamente, mesmo sem cavalgaduras, para a vila de Arronches onde estabeleceram quartel general e donde peijaram a cidade de Fortaleza de suas proclamações e de tais meios se serviram, não sendo o de menor importância a divulgação da notícia de ter sido Filgueiras elevado ao posto de brigadeiro e feito Governador das Armas, que conseguiram a suspensão de Facundo do comando do Batalhão dos Nobres e a prisão de Barbosa.
Isto se passava no dia 15, quinta-feira santa, e nesse mesmo dia tinha lugar o desembarque de Costa Barros. Chegada no dia seguinte a nova do bloqueio do Recife e da crítica posição de Paes de Andrade, Tristão apressou-se em convidar Costa Barros a assumir a presidência da Província, o que se realisou a 17 com satisfação de todos os cearenses, que viram restituídos às suas famílias Facundo, Barbosa e companheiros.
Não tinha, porém, ainda soado a hora do extermínio completo da República do Equador no Ceará; rios de lágrimas deviam ainda derramar-se e sangue precioso tingir o solo da pátria, pois com a chegada de Pernambuco a 21 dos emissários Diogo Gomes Parente e Francisco Alves Pontes, que vinham trazer palavras de animação e assegurar a esperança de decisiva vitória, seguiu Filgueiras a 23 para o Aquirás, donde voltou a Messejana e desta última Vila (25 de abril) expediu ordem a Luiz Rodrigues Chaves, já então feito comandante do batalhão da capital, para que prendesse e remetesse para bordo da fragata inglesa “Jubile” João Facundo, Joaquim Barbosa, Marcelino de Brito, Manoel Martins, José Narciso Xavier Torres, Manoel Antônio Diniz, Francisco Xavier Torres, João da Silva Pedreira, Sargento-mór Jerônimo Delgado Esteves e o Tenente José de Abreu.
Postos na impossibilidade de lutar os inimigos mais salientes dos planos de Tristão, Filgueiras oficiou ao Presidente Costa Barros para demitir-se do lugar que ocupava e deu-lhe por substituto Tristão Gonçalves que entrou em exercício a 29.
No Rio de Janeiro, para onde foram desterrados sem forma alguma de processo, João Facundo e Joaquim Barbosa publicaram a 20 de julho de 1824 um manifesto-protesto, em que vem narradas com minuciosidade essas lutas de partido, e voltaram pouco depois para a província, que tanto carecia de seus desinteressados serviços e avisados conselhos.
O manifesto foi impresso na tipographia de Plancher, impressor de S. M. Imperial, rua do Ouvidor nº 203, 1824.
Abundando nas mesmas ideias do manifesto os dois cearenses dirigiram ao Imperador uma representação, em que narravam os sucessos ocorridos, sendo suas asserções apoiadas por valiosas certidões da Secretaria do Governo, extraídas por Manoel do Nascimento Castro e Silva.
Até aqui temos visto em Facundo o amigo dedicado às instituições monárquicas.
Mais adiante vamos encontrá-lo ao lado do presidente Belfort lutando com o governador das armas da província, Conrado de Niemeyer, o condecorado com a Ordem do Cruzeiro por pedir o aniquilamento da carta constitucional, e mais tarde ainda partilhando as ideias para cuja vitória Manoel do Nascimento e Vicente de Castro tanto concorreram com Evaristo e Vergueiro, Odorico Mendes e Limpo de Abreu, e cujo desfecho chamou-se o 7 de abril de 1831.
A 25 de novembro de 1837 com a retirada do Senador Martiniano de Alencar para o Rio, Facundo assumiu as rédeas do governo e administrou a província até a ascenção dos conservadores.
Era a 2ª vez que tomava sobre os ombros esse pesado e honroso encargo, pois substituirá na qualidade de 2º vice-presidente a seu mano, Capitão-mor José de Castro, a 7 de outubro de 1831.
Havendo-se retirado do poder o Pe. Diogo Antônio Feijó e com ele o partido liberal, Manoel do Nascimento, Vicente de Castro e mais amigos no Rio escreveram a Facundo para que apoiasse com seu prestigio a candidatura do Regente interino Pedro de Araújo Lima, depois Marquez de Olinda, e tanto mais instantes se faziam essas recomendações, quando surgiam pretenções por parte de Holanda Cavalcanti e não havia candidato liberal aquele posto.
Governava então a província, como delegado dos homens do 19 de setembro de 1837, Manoel Felizardo de Souza e Mello, cuja posse teve lugar a 16 de dezembro, mas apesar de adversário não recusava satisfazer às exigências do chefe liberal, cujos amigos continuavam a ocupar a maior parte das posições oficiais.
Alencar, porém, que não era o chefe real do partido na província, mas era aquele que mais sobresaía pela posição de Senador, não desejando concorrer para a grandeza de quem lavrara-lhe a demissão de Presidente ao verificar-se a queda do 1º Regente, conseguiu vencer a repugnância de Facundo em prol de uma candidatura qualquer que não fosse a do Regente interino e fazê-lo abraçar a do General Lima e Silva.
Era natural que Manoel Felizardo rompesse em luta desabrida contra aqueles que no começo de sua administração mostraram-se quase propensos a abraçar a candidatura do regente; mas o que causa surpreza é que o político por amor de quem e por cuja causa a palavra de Manoel do Nascimento e Vicente de Castro ficara mal vista dos homens do poder continuasse a privar com o Presidente e obter dele todas as concessões, emquanto os liberais estavam sob o guante de ferro da perseguição a mais violenta, quando os atos da administração conservadora mereciam por toda parte sérios reparos e até mesmo no recinto do Senado, onde, todavia, nunca se fez ouvir a esse respeito a voz do representante Cearense.
Contra o proceder desse Presidente, que levou seu espírito partidário ao ponto de conservar-se na administração da província oito dias depois da chegada de seu legítimo sucessor, foi que Facundo, então Presidente da Assembleia, endereçou em data de 12 de fevereiro de 1839 a conhecida mensagem, também subscrita pelos companheiros de representação residentes na capital, Capitão-mor Joaquim José Barbosa, Dr. José Lourenço de Castro e Silva, Desembargador João Paulo de Miranda, José Raimundo Pessoa, João Franklim de Lima, Ângelo José da Expectação Mendonça e José Joaquim da Silva Braga.
A Manoel Felizardo, que pedira demissão e fora removido para o Maranhão, sucedeu o Dr. João Antônio de Miranda, que desembarcou, a 8 e assumiu as rédeas do governo a 15 de fFevereiro de 1839.
Sua presidência assinalou-se tão somente pelo adiamento da Assembleia faltando apenas 12 dias para findar a sessão, e pela continuação da guerra feita aos políticos da parcialidade adversa, sendo uma nova face de perseguição por ele posta em prática o amordaçamento da imprensa, que lhe era desafeta.
Exonerado o Dr. João de Miranda, o governo imperial deu-lhe substituto na pessoa do Bel. Francisco de Souza Martins.
Pode dizer-se que a vida administrativa dessa autoridade entre nós quase limitou-se a lutas de eleição, em que soube sempre sofismar a vontade do eleitorado da província nos diversos pleitos por que ele teve de passar, mormente no que deu uma cadeira no Senado a Miguel Calmon du Pin e Almeida.
A exoneração, dada a Souza Martins e dada de modo acintoso, por quanto lhe era ordenado passasse imediatamente as rédeas do governo ao 1º vice-presidente, foi consequência obrigada do grande ato da Maioridade, realisado à 23 de julho e tão saudado do norte a sul do império.
Coube, portanto, a João Facundo a honra de ser o primeiro a governar o Ceará depois que D. Pedro II foi declarado maior.
Era mui justo. Nenhum cearense trabalhara mais do que ele para esse resultado. Se em casa de Alencar reuniam-se clubes como ao Regente declarou em 1837 o presidente Souza Martins, os passos de Facundo eram vigiados e até suas cartas interceptadas como as de perigoso e autorisado adversário.
Em correspondência travada com seu tio o barão de Parnaiba, dizia Souza Martins:
“Acresce ter sido a dias surpreendida outra carta de João Facundo de Castro Menezes, Inspetor d’Alfândega desta cidade e irmão do deputado Manoel do Nascimento, a qual depois de declarar o seu grande descontentamento da minha administração e do governo do regente, encerrava um bilhete escrito em cifras para não ser entendido e por ele parece coligir se a existência de uma sociedade, que tem por fim proclamar a Maioridade S. M. o Imperador.
“A vista disto compreenderá V. Exma. se é delicada e assustadora a minha posição sem forças nem armas na província. Eu tenho tudo participado para a Corte e algumas providências espero, mas virão elas?
Pode-las-a o governo dar? Conservo em segredo os meus sustos e receios”.
Havendo tomado posse a 9, Facundo expediu a 11 uma portaria adiando a Assembleia por assim convir ao bem da província, substituiu por amigos a alguns oficiais da Guarda Nacional, que além de outros motivos ofereciam o de não ter títulos legalizados e tratou de restabelecer em seus empregos e lugares a liberais de respeitáveis serviços ao país e aos quais a intolerância das três passadas administrações havia perseguido.
Compreende-se bem que esses atos de Facundo, filhos inteiramente das circiunstâncias em que a política o colocava, deviam trazer a explosão das iras de seus adversários, que chegavam a açular belicosamente os ânimos dos cidadãos pacíficos e em clubes e reuniões cotidianas buscavam implantar nas massas o gérmen da desobediência ao Ministério da Maioridade e ao seu delegado na província.
É publico e notório, e o demonstra por demais o ofício da câmara municipal de Baturité em sessão extraordinária de 2 de outubro de 1840, que Souza Martins em viagem para sua comarca animava em todos os pontos da província, por onde ia passando, o espirito de rebelião à nova ordem de coisas; não admira, portanto, que o governo provincial lançasse mão de meios de coerção e tratasse de se cercar de empregados e auxiliares de sua plena confiança.
Subia ao poder o partido liberal e os seus amigos tinham sido cuidadosamente excluídos dos empregos, que ocupavam, por Manoel Felizardo, que lavrou 156 demissões, e por seus dois sucessores, não admira que Facundo quizesse administrar a província sem o concurso dos que não lhe mereciam confiança e antes opunham sérios tropeços à sua administração.
A 20 de outubro de 1840 assumiu a presidência do Ceará o Senador José Martiniano de Alencar, nomeado por Carta Imperial de 10 de setembro.
Como era natural, os atos de seu sucessor mereceram-lhe inteira aprovação, e os conservadores, longe de se acalmar, foram de dia em dia mais se exaltando, e afinal concluíram por fazer manifestações hostis ao ilustre delegado do ministério da Maioridade.
A 2ª administração do novo presidente, pode-se quase dizer, foi ocupada em sufocar revoltas promovidas pela parcialidade, que abandonara o poder com a elevação de D. Pedro II, e encontrara em Alencar e Facundo valente paradeiro à sua influência.
Icó, Aracati, S. Bernardo e Sobral sobretudo foram os focos dessas loucas sedições, que os atos dos dois liberais tinham provocado e as quais emprestavam o concurso de decidido apoio alguns vultos como o Major Francisco Xavier Torres, Dr. Miguel Vieira e outros.
Subindo a 23 de março de 1841 o Gabinete Vilela Barbosa, Alencar foi exonerado, passando a Facundo a 6 de abril a administração.
Foi a última vez, que nesse cargo o político liberal prestou à pátria serviços eminentes.
Bala assassina desfechada às 7 1/2 horas da noite de 8 de dezembro libertou os conservadores de poderoso adversário e roubou aos liberais seu chefe prestimoso.
Era então presidente da Província o brigadeiro José Joaquim Coelho, depois Barão da Vitória, juiz de direito e chefe de policia da comarca da capital o Bacharel Miguel Fernandes Vieira e comandante da polícia Franklim do Amaral.
Procederam ao corpo de delito e exame cadavérico com assistência do juiz de paz Capitão-mor Barbosa e do escrivão Antônio Lopes Benevides o Cirurgião-mor da província Joaquim da Silva Santiago e o Cirurgião Francisco José de Mattos.
É este o auto de corpo de delito, a que mandou proceder o Juiz de paz do primeiro ano, Capitão-mor Joaquim José Barbosa:
“Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1841, aos nove dias do mês de dezembro do dito ano nesta cidade da Fortaleza, cabeça da Comarca e Província do Ceará Grande, em casa de morada do Major João Facundo de Castro e Menezes, onde foi vindo o Juiz de Paz do primeiro ano, Capitão-mor Joaquim José Barbosa comigo Escrivão de seu cargo ao diante nomeado, o Cirurgião-mor da Província do Ceará Grande Joaquim da Silva Santiago e o Cirurgião Francisco José de Mattos para efeito de se proceder a exame e corpo de delito no cadáver do dito Major João Facundo que havia sido assassinado à noite antecedente com três tiros e logo pelo dito Juiz de Paz foi deferido aos ditos peritos o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles a um depois de outro, encarregando-lhes que com boa e sã consciência examinassem o corpo do cadáver que estava presente e declarassem quantos ferimentos, nóduas e contusões tinha o dito cadáver em seu corpo, suas qualidades e situações e se delas provinha a morte. E recebido por ele, dito juramento assim o prometeram cumprir e guardar como lhes era encarregado, e logo na presença do dito Juiz e de mim Escrivão passaram os ditos peritos a examinar o corpo do dito cadáver e declararam ter este uma ferida longa sobre a parte lateral média e inferior do crânio do lado direito com fraturas ou grandes destruições nos ossos parietal, escamosa do temporal e coronal até a apófise todos do mesmo lado direito com extensão de duas polegadas de boca circularmente penetrando a cavidade do crânio em direção oblíqua para a base posterior e inferior do ocipital com perdimento e grande destruição de cérebro e grossos vasos; outro ferimento junto ao condilo esquerdo do ocipital, contendo uma polegada de extensão triangularmente sem fratura da sutura comboidia e destruição da porção cerebelar, cujo ferimento último denota ser havido dos corpos superiormente impelidos. Estes ferimentos foram feitos com arma de fogo e pelos estragos notados em entranhas; órgãos e vasos tão necessários à vida foram absolutamente mortais. E por esta forma houve o dito Juiz este auto de corpo de delito por terminado. Eu Escrivão dou minha fé por ser todo o conteúdo em verdade por ver e presenciar ditos ferimentos da cabeça do dito cadáver, e de tudo para constar mandou o dito Juiz de Paz fazer este auto em que assinou com os ditos peritos. Eu Antônio Lopes Benevides, Escrivão o escrevi.—Joaquim José Barbosa, Joaquim da Silva Santiago, Francisco José de Mattos”.
Possuo ainda a camisa que vestia Facundo ao ser assassinado.
Sobre o bárbaro crime são dignos de leitura os Discursos, que na presença de S. M. o imperador recitaram a 5 de janeiro de 1842 o Senador Alencar, o deputado Pe. Carlos de Alencar e o Dr. José Lourenço, presidente da Câmara de Fortaleza. Estão publicados no Motorista, do Rio de Janeiro (janeiro de 1842).
O illustre cearense, pode-se dizer, suicidara-se: como a César, não lhe faltaram avisos de que sua vida corria enormíssimo perigo, risco iminente; como a Pelegrino Rossi chegaram-lhe nefandas traições; mas tais eram os sentimentos que em sua alma se aninhavam que nunca se arreceou de ser vítima do bacamarte assassino por motivo político, por ódio partidário.
Disto temos prova em carta sua.
Um dia, era a festa do Espírito Santo, a família Castro reunia-se no Meireles em casa de Manoel Lourenço, residência hoje da família Silva Porto, e João Facundo para lá se dirige pelo caminho, que fica à direita do Palácio Episcopal; os assassinos emboscaram-se neste ponto, mas frustrou-se o plano tenebroso, porque a vítima voltara por caminho diferente, pela beira-mar; noutra ocasião achava-se ele em casa do seu parente Capitão-mor Barbosa, onde foi o Hotel das Quatro Nações, posteriormente consultório do cirurgião dentista Guilherme Sombra e atualmente é a casa Bordallo e Cia. Os assassinos, postados na então Praça Carolina bem em frente da atual Assembleia, retiram dentre feixes de capim as espingardas carregadas, fazem por vezes pontaria para as janelas do sobrado, que lhes fora designado, mas ainda desta feita frustra-se o assassinato por não ter havido ocasião propícia à perpetração do horrendo crime.
A 8, porém, do mês de dezembro tinha execução o tenaz e deliberado propósito e em hora infeliz realizavam-se as previsões e os temores dos amigos e dos parentes do infeliz cidadão.
Compreende-se o que acontecia então nas ruas da cidade, no seio da famílias em sobressalto. Por toda parte surgiam gritos de vingança, protestos de energia indescriptivel.
A polícia, essa não permittia que se fizessem ajuntamentos de mais de três pessoas e trazia à vista os membros mais conspícuos da família perseguida e seus mais dedicados amigos, e si em altas vozes os homens do governo prometiam prêmios a quem descobrisse os matadores, cerravam ouvidos aos nomes, que o clamor público apontava e mais tarde protegiam abertamente os mandantes do atroz delito, os que haviam armado o braço inconsciente de Chagas e de Abraão pela mesquinha soma de poucos patacões.
Decorridos tantos anos depois do triste sucesso, se pode hoje dizer sem rebuço os nomes dos criminosos. Foram eles: a mulher de José Joaquim Coelho mandante, Antônio Abraão e Chagas executores, Cel. Agostinho e Joaquim Jacarandá intermediários. Aliás a Baronesa da Vitória nos últimos tempos de sua vida não mais escondia a parte importante, que tomara na tragédia.
Os mandatários do assassínio de Facundo, o preto Antônio Manoel Abraão, natural de Crateús, e o cabra Pedro José das Chagas, natural de Caxias, Maranhão, foram anos depois condenados a galés perpétuas pelo juri de Fortaleza; Joaquim Ferreira de Sousa Jacarandá, o intermediário entre os assassinos e a mulher de José Joaquim Coelho, a mandante do crime, foi julgado três vezes, sendo absolvido na 1ª, condenado a galés perpétuas na 2ª e absolvido pelo voto de Minerva na 3ª.
Seus restos repousam na Igreja do Rosário, corredor à mão esquerda, junto ao túmulo de seu primo e amigo, Capitão-mor Barbosa, falecido de lesão cardíaca a 23 de outubro de 1847 em sua fazenda Tauape, mártir também da infrene perseguição dos satélites de Coelho; para aí foram trasladados a 9 de setembro de 1848, depois de pomposas exéquias em que tomou parte todo o partido liberal e em que foi orador sagrado o Revmo. Carlos Augusto Peixoto de Alencar.
No mesmo dia em vários pontos da província, e nomeadamente em Sobral, era sufragada a alma da vítima dos conservadores.
A rua mais bela da capital do Ceará, a antiga rua da Palma, aquela onde se acha situada a casa, que o viu cair ferido mortalmente, honra-se hoje com o nome do Major Facundo. A casa é aquela em que tem estabelecimento de ferragens a firma Viúva Vilar e Filhos.
Um ano e cinco meses depois do assassinato, a 19 de maio de 1843, voltava para casa pelo braço de Elesbão Bittencourt, filho do presidente Silva Bittencourt e acompanhada de todos os seus juízes a esposa de Facundo, Dª Florência de Andrade Bezerra a Castro, acusada de conspirações e metida em monstruoso processo. Os jurados, que por unanimidade absolveram a Dª Florência de Andrade foram Manoel Joaquim de Almeida, Manoel José Ladislau, Antônio Pereira Martins, Vicente Ferreira M. Pereira, Vicente da Costa dos Anjos, Valerio Raulino de Souza Uchôa, Constancio Dias Martins, Joaquim de Macedo Pimentel, José Gervásio de Amorim Garcia, João Pacheco Ferreira, Luiz V. da Costa Delgado Perdigão e Francisco Manoel Gafanhoto.
Dois meses e cinco dias antes, às 8 horas da manhã de 14 de março de 1843 havia largado do porto da Fortaleza o vapor “S. Sebastião”, comandante J. Maria Falcão, levando a seu bordo o brigadeiro Coelho.
Facundo foi comandante do batalhão dos Nobres de Fortaleza, e condecorado com o hábito de Cristo.
Dª Florência de Andrade B. e Castro nasceu em Paraiba a 21 de agosto de 1787, casou a 14 de maio de 1814 e faleceu a 11 de setembro de 1865 em Fortaleza.
Casara em primeiras núpcias aos 13 anos com Francisco José de Moraes e desse teve: Dª Francisca de Moraes, e Dª Lina Josefa de Vasconcelos, que nasceu a 23 de setembro de 1808 e casou a 23 de setembro de 1823 com Manoel José de Vasconcellos, sendo celebrante do ato o Pe. Antônio de Castro e Silva, e testemunhas Ignácio Ferreira Gomes, Joaquim Francisco de Paula e sua mulher Dª Bernarda Maria da Conceição e Dª Maria Ribeiro, mulher do Ajudante Lauriano Antônio Ribeiro.
O Major João Facundo e Dª Florência de Andrade deixaram a seguinte descendência: Antônio Facundo de Castro Menezes, nascido a 18 de novembro de 1816 e falecido no Pará a 1 de janeiro de 1878; Dª Maria Joana de Castro Barbosa, nascida a 8 de julho de 1818, casada com seu primo o Major Joaquim José Barbosa e falecida a 13 de junho de 1849; Dª Cândida Augusta de Castro Menezes, nascida a 15 de janeiro de 1824 e falecida a 3 de junho de 1864; Dr. Ernesto Facundo de Castro Menezes, nascido a 7 de novembro de 1828 e falecido a 13 de novembro de 1859; Camerino Facundo de C. Menezes, nascido a 21 de agosto de 1830 e falecido em 1908 em Belém do Pará.
O Ceará Ilustrado nº 3, ano 1º deu o retrato e a biografia do Major Facundo. De sua vida trataram largamente João Brígido na Refutação à biografia de Antônio Rodrigues Ferreira por Paulino Nogueira e Paulino Nogueira no seu substancioso trabalho Presidentes do Ceará (Vide Revista do Instituto do Ceará, vols. 19 e 20).
Além do Manifesto acima referido conheço de J. Facundo :
—Regulamento da Polícia Fiscal do Porto do Ceará a cargo da Alfândega, que foi aprovado pelo presidente Alencar a 22 de novembro de 1837 e pelo presidente do Tribunal do Tesouro Nacional a 17 de março de 1838.
Por esse Regulamento, que se compõe de 46 artigos, devia haver no Porto do Ceará quatro ancoradouros, o de Quarentena, o de Franquia, o de Descarga e o de Carga.
Fonte: DICIONÁRIO BIO-BIBLIOGRÁFICO CEARENSE (VOLUME PRIMEIRO) ABEL- JOÃO . Dr. Guilherme Studart (Barão de Studart) p. 460-474.
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